quinta-feira, janeiro 18, 2007

"Excomunhão" para quem votar "sim" no referendo ao aborto

O cónego de Castelo de Vide, Portalegre, citou hoje o Código Canónico para afirmar que os cristãos que votem "sim" no referendo de 11 de Fevereiro serão alvo de "excomunhão automática".

O cónego Tarcísio Fernandes Alves referiu-se nomeadamente ao cânone 1398 d o Código de Direito Canónico, onde se afirma que "quem provoca o aborto incorre numa excomunhão automaticamente".

Este aviso estava já contido numa boletim paroquial que o cónego distribuiu e no qual refere que os que votarem "sim" e os que "se abstiverem de votar cometem um pecado mortal gravíssimo".
No boletim distribuído aos fiéis na missa do passado domingo, o responsáve l pela Paróquia de Castelo de Vide escreveu que "os cristãos que votarem "sim" incorrem numa excomunhão e os "que se abstiverem de votar cometem um pecado morta l gravíssimo que os irá impedir de participar na missa".

Tarsício Alves adiantou à Lusa que este é o quarto boletim semanal que publica sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez e haverá mais, "não por motivo religioso mas por motivo humano e corroborado pela lei da igreja".

"O próximo vai dizer que legalmente, quem fizer aborto não poderá ter um enterro religioso", declarou. Segundo o clérigo, a absolvição só pode ser dada à "pessoa que se mostrar arrependida do mal que fez e prometer não voltar a fazer o mesmo" e mesmo assim sob " licença expressa" do bispo.

in Jornal de Notícias

6 comentários:

Hipercubo disse...

Ainda bem que não sou católico...não suportaria ser excomungado e muito menos que o meu arrependimento estivesse dependente da avaliação de um bispo...

H2o disse...

Não que corrobore com um único pensamento deste Sr. mas deixa que te lembre de meia dúzia de coisas:


Infelizmente e tirando por baixo, metade do que noticia a nossa comunicação social é deturpado, exagerado ou mesmo mera ficção.
Mesmo entendendo que esta noticia faz parte dos 50 % da informação fidedigna,

Mais uma vez se demonstra que por norma tudo o que na teoria é razoável quando o Homem a põe em prática são reveladas um exagerado n.º de imperfeições, o que faz com que nem todos acreditemos no mesmo.

Este tipo de prática só é possível num país de retardados como o nosso, em que a Imagem do Deus todo Poderoso, qual bicho papão continua a fazer tremer as beatas, desculpa mas fazemos por merecer que se aproveitem de tanta ignorância.

Fica bem, jocas

Hipercubo disse...

E abortar sem condições nenhumas é uma prática ainda pior...

ALEXANDRE disse...

Caros amigos, quando li o artigo achei bastante estranho porque não tinha de todo essa ideia, por isso procurei a posição da Igreja sobre esta matéria e como se verá a explicação do Cónego Tarcísio é um absoluto disparate. Explicarei em seguida porquê.

A.O canon 1323 estipula que ninguém pode ser excomungado se:

1.Tiver menos de 17 anos

2.Não tiver conhecimento de tal lei (importa apontar que o direito canónico, diferentemente do direito civil, tem na ignorância da lei desculpa imediata, em suma, só violamos as leis que conscientemente escolhemos violar. Se não conheço lei não posso ser penalizado pelo seu desrespeito).

3. Tiver sido pressionada à prática do aborto.

4. Tenha actuado sob um grande receio, ou pânico.

5. Não estivesse na plena posse da sua razão.

Como se vê, uma mulher que não reconheça esta lei, que não considere o feto uma vida humana e, por isso, entenda que não comete nenhuma falta, não está excomungada.
Por outro lado, a experiência de uma situação social degradante e absolutamente precária pode levar ao pânico dum acto que a mulher jamais faria em perfeitas condições socio-psiquico-económicas.
O medo e a experiência de abandono a que muitas mulheres que realizam o aborto estão sujeitas, leva-as, não raramente, como sabemos bem e saberemos melhor depois de estudar psiquiatria, a estados alterados de consciência onde a razão pouco impera.

B. O canon 1357 por seu lado, dá ao padre, na confissão, a possibilidade de absolver práticas de aborto porque melhor julga, em situação, os critérios acima enunciados, contra o exclusivismo anunciado pelo Cónego T.F.A.

C. De acordo com o Papa João Paulo Evangelho da Vida, tem de se participar activamente numa prática de aborto para estar sujeito ao que acima foi dito. Votar sim ou faltar ao referendo não é falta suficiente como também diz o Sr. Cónego.

Entenda-se também que o código de direito canónico não é um indicador absoluto outrossim dispensa práticas que devem servir de norma mas que como diz o próprio código: "Tudo se deve ordenar em ordem à salvação da pessoa". E sobretudo, como dizia Jesus Cristo: "É o Sábado que é para o Homem e não o Homem para o sábado."

Depois disto dois comentários finais. Em primeiro lugar já se percebeu que a notícia transmite informação errada, não sabemos se por desonestidade intelectual do jornalista que só transmitiu metade ou do cónego que se recusou a contar tudo ou não sabe, de facto, tudo e nesse caso dever-se-ia calar.

Em segundo lugar, acho que este tipo de artigo revela alguma má fé. O "não" no voto para o referendo é uma questão de consciência iluminada por conceitos biológicos, filosóficos e políticos. Não é de todo uma pura questão religiosa e querer reduzi-la a isso parece-me ser fruto duma, nada ingénua, agenda política que quer associar o voto do não a um certo obscurantismo fundamentalista. Não foi a intenção do Miguel mas é a de muitos dos artigos que se lêm pela comunicação social.

Em todo o caso acho bem que se relance o debate sobre o aborto neste nosso espaço de reflexão mas pessoalmente teria escolhido outro post. Talvez o escreva um destes dias.

Hipercubo disse...

Houve ontem uma mesa redonda sobre o assunto na Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa, na qual participaram 4 defensores do "sim" e 4 defensores do "não", tendo eu sido o moderador. Um dos prelectores presentes pelo "não" foi o Prior Feytor Pinto, que teve oportunidade de, no final, me esclarecer sobre este assunto em particular. Disse-me ele que, infelizmente, muitos "colegas" dele (o termos colegas foi por ele empregue), talvez por algum desconhecimento, transmitiam ideias erradas. Também o teólogo Jerónimo Trigo, em explicações ao Portugal Diário, esclareceu o assunto despertado pelo pároco de Castelo de Vide mais ou menos nos mesmos parâmetros por ti aqui utilizados(http://www.portugaldiario.iol.pt/noticia.php?id=763762&div_id=).
Também eu discordo da forma como, muitas vezes, a comunicação social aborda a questão. Mas creio que há abusos tanto por parte do "sim", como por parte do "não". Ao contrário do que um deputado do PS do qual já não me recordo do nome referiu na AR, acho que a discussão devia ser mais baseada na Ética ou Moral e menos na perspectiva política (não estou contudo a eliminar a política desta questão). Penso que ambos os lados estão limitados pelo peso que uma declaração de âmbito político tem.

Com a colocação deste post, não quis iniciar um debate sobre o tema, até porque, confesso, estou um tanto ou quanto cansado de discutir sobre o assunto (especialmente nos últimos dias). Quis apenas mostrar como,determinadas pessoas,com determinadas responsabilidades, podem deturpar factos e incutir obrigações de voto baseadas não na sua consciência, mas numa consciência por eles projectada. Sei que nem todos os padres são assim, mas há alguns que são e esses, infelizmente, são aqueles que estão mais próximos de pessoas que pela sua ignorância são mais susceptíveis.
Não quero por um padre, julgar todos os outros, só acho que, como um dia já te disse,se exige muito mais a quem apregoa determinados valores do que se exigiria a alguém que não o faz.

Anónimo disse...

Alexandre, o comentário que fazes não confere com a Doutrina da Igreja: "Como se vê, uma mulher que não reconheça esta lei, que não considere o feto uma vida humana e, por isso, entenda que não comete nenhuma falta, não está excomungada"

É verdade que a ignorância da lei exime da pena canónica. Mas se ela tem conhecimento de que existe a pena, não é porque ela acha que não é pecado que não está excomungada... Aqui não entra esse subjectivismo: a doutrina da Igreja ensina,e se a pessoa a conhece, não pode dizer que a sua consciência não a acusa, para evitar a excomunhão.