terça-feira, dezembro 30, 2008

Necessidade de mudança

Não querendo entrar em clichets natalícios, onde abundam a paz, a benevolência, a partilha, e muitas outras coisas das quais a maior parte só se recorda uma ou duas vezes por ano. Gostaria, que reflectissem sobre alguns factos que de tão presentes, nos habituámos a ignorar.
O paradigma actual, aquele que permite esta resignação, é aquele que permite igualmente que a maior parte da riqueza do mundo esteja concentrada em meia dúzia. É aquele que permite que alguns, à nascença, estejam já condenados enquanto outros, pelo contrário, pouco necessitem de fazer para que a vida lhes corra de feição. É aquele que previligia os que mais têm sobre os mais pobres. É aquele que premeia os causadores de uma crise económica à escala mundial, que prejudicará sobretudo aqueles que não sabem sequer o que a economia é. É aquele que permite que uns sejam promovidos socialmente por fazerem "ajuda humanitária", quando por mais que esta aumente em quantidade e qualidade, o número daqueles que desta necessitam continua a aumentar indiscriminadamente .
Vale a pena continuar a apostar neste paradigma?
Alguns de vós dirão, talvez, que nenhum outro paradigma revelou tanto sucesso na solução dos mais básicos problemas mundiais, será...?
Outros dirão que o que falta é moral. Sem dúvida, mas que moral!? A apregoada por aqueles que descobrimos agora terem andado anos e anos a pilhar corruptamennte com o único propósito do auto-enriquecimento? (falo, evidentemente, dos senhores da "obra", daqueles que fundaram e mandaram no BCP durante anos e anos).
Se há dias em que o simples soar das folhas agitadas pelo vento me faz respirar a beleza que a cada dia me surpreende, outros há em que a humanidade consegue distorcer o que é belo de tal forma, que pouco mais há a fazer para além de esconder-me com vergonha.
Quantos mais anos continuaremos resignados?
Teremos nós vontade de mudar?

quinta-feira, dezembro 25, 2008

Natal
Fernando Pessoa

Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.


Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.


E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!

Foto por Sergio Mendes

segunda-feira, dezembro 22, 2008

A verdadeira coacção

Pois é meus amigos, não resisto, cá estou eu de novo para vos falar de um tema sempre muito interessante, que me deixa transtornado com a "justiça" desportiva nacional (será que isso existe? Já na Roma antiga, ela não existia...) e que parece ser uma "moda" recorrente no "micro"sistema que é a casa do Dragão.

Primeiro, e apenas para recordar significados de palavras, pode ler-se no dicionário de língua portuguesa da Porto Editora, coacção: constrangimento que se impõe a alguém para que faça, deixe de fazer ou permita que se faça alguma coisa; imposição.

Em segundo lugar, queria recordar um episódio escaldante, que não tendo sido o primeiro do género (recordo "lances" como os do Pena e do P.A.), foi com toda a certeza, o pioneiro no modo, meios e alvo do "ataque"! Corria o ano de 2006, o Porto acabara de ceder um empate diante do Rio Ave e perdeu apenas a hipótese de dilatar a margem de avanço que tinha face ao Benfica. "Um grupo de adeptos do F.C. Porto atacou e vandalizou o automóvel de Co Adriaanse, com o técnico lá dentro, ontem à noite, à saída do centro de treinos do Olival, onde o autocarro da equipa deixara os jogadores e os treinadores depois da partida de Vila do Conde. A viatura ficou bastante danificada e quase sem vidros, mas, tanto quanto foi possível apurar, os danos foram apenas materiais, dado que o holandês terá conseguido arrancar antes de haver males maiores. Adriaanse foi o primeiro a abandonar o Olival, de regresso a casa. À saída, tinha à espera gente que decidiu dar prolongamento aos assobios e insultos que o técnico já ouvira em Vila do Conde, depois de consumado o empate. O grupo rodeou imediatamente o carro e, umas vezes a pontapé, outras a soco, tratou de traduzir selvaticamente para uma linguagem universal aquilo que Adriaanse podia não ter percebido no Estádio dos Arcos."

Pode ver-se a pontuação de Porto e Benfica nesta altura do campeonato, a título de curiosidade! O Porto estava para descer...

Em terceiro lugar, e com a certeza que todos terão ainda bem presente, a "fase negativa" do F.C. Porto este ano (2008), é relatada com três derrotas consecutivas (duas para o campeonato e uma para a champions), duas delas no seu próprio estádio. Já todos pediam que o professor abandonasse o cargo, por tentativas mais que muitas falhadas, aqui e ali, na constituição da equipa titular, nas alterações efectuadas durante os jogos, nos resultados, ...

Mas a massa adepta portista não se deixa ficar, e eis que novo capítulo surge no "ninho" do dragão. Depois da derrota diante do Leixões em casa (dia 25 de Outubro), um jogador azul e branco tem uma surpresa à saída do Olival. “A última madrugada foi escaldante no Dragão, após a derrota frente ao Leixões. Ultras portistas fizeram espera aos craques e partiram o vidro do automóvel de Cristian Rodriguez.

O Dragão esteve em brasa no início da madrugada que se seguiu à invasão do mar. A derrota com o Leixões – segunda consecutiva! – provocou uma atmosfera anormalmente tensa nas bancadas, corrosiva no balneário e... verdadeiramente explosiva quando as cancelas se abriram para os craques azuis e brancos abandonarem o estádio.” Qual massa adepta portista? Isto foi obra, claramente do grupo de apoio "No Name Boys" ligado ao Benfica! E mais não digo...

Depois de tudo isto, mergulhado no autêntico fosso, o Porto tem ainda forças para obter um ciclo de 9 (nove) vitórias consecutivas, com jogos da champions, taça de portugal e campeonato nacional, factos esses que levaram o professor a afirmar o seguinte:

Uma pessoa que até teve as malas feitas, vem dizer isto, das duas três: ou é psicótico (julga estar a falar verdade, tem alucinações auditivo-visuais ou não tem consciência do eu) ou é incapacitado intelectualmente, para ter o discernimento de pensar para consigo "há cerca de um mês atrás estive mesmo para abandonar o barco. Porque vou dizer tamanha barbaridade agora?"

Todavia, ontem à noite (dia 21 de Dezembro), o Marítimo desloca-se ao Dragão e acaba por alcançar mesmo o empate a zero golos. Ninguém queria acreditar! Factos do jogo: domínio territorial indiscutível do Porto, 2 penaltys por assinalar a favor do Marítimo (apenas 1 árbitro da comunicação social diz que um deles, o do Rolando não é penalty, vá-se lá saber porquê), 1 expulsão para cada lado “perdoada” e inúmeras faltas inventadas ao cair do pano, a favor do Porto, próximo da área maritimista. Foi isto que se passou no estádio! Quer queiram, quer não queiram. O que diz o blog “estádio do dragão”: “É verdade que o jogo foi condicionado por uma arbitragem matreira e tendenciosa, que cedo demonstrou que vinha ao Dragão com um propósito, o de prejudicar o FC Porto. Nas pequenas faltas, na amostragem de amarelos e na permissão de jogo passivo, o árbitro “Roubar-te Gomes” ajuízou sempre contra a equipa da casa.” Completamente falso. Mentira. Com as 7 letras. E perguntam vocês, o que aconteceu no final da partida, depois de tudo isto? Apenas e só isto: “O árbitro Duarte Gomes terá dado conta, no seu relatório, de toda a confusão ocorrida no final da partida e da qual se destaca uma agressão ao motorista dos árbitros que levou à identificação, por parte da polícia, do assessor de imprensa do FC Porto, Rui Carvalho. As trocas de palavras azedas entre vários elementos das equipas começaram à entrada do túnel, onde o delegado do Marítimo, Jacinto Vasconcelos, se desentendeu com elementos do “staff” portista perante o delegado da Liga, Manuel Armindo, que se encontrava no local.". Todos queriam a cabeça de Duarte Gomes, o árbitro da partida, que até favoreceu os da casa, imagine-se! Não há ninguém, NINGUÉM, na comunicação social (essa tão vermelha e branca e tão controlada pelo clube do ex-regime) que diga que o Porto tenha sido prejudicado, muito pelo contrário. Muito pelo contrário...


Mais uma daquelas fantásticas "jogadas" de coacção pura e dura, a que todos estamos habituados, não havendo mesmo quem não conheça o que se passava no túnel das Antas, acontecimentos esses, que entre outros, obrigaram a Liga de Clubes a instalar câmaras de filmar nos túneis de acesso dos vários estádios de futebol, com o intuito último de salvaguardar a integridade das pessoas que por lá passam durante as partidas de futebol da divisão maior do futebol nacional, há ainda a coragem e o "talento" para tentar igualar tal façanha no período pós-apito "pinta"do dourado!O que quero eu dizer com tudo isto? Ninguém faz ideia? Parece-me óbvio. A vocês não? Pois é, é mesmo disso que falo, e que está à vista de todos. A coacção que dirigentes, adeptos (muitas vezes, se não a maioria, em conivência com os responsáveis máximos do clube) e até mesmo jogadores do próprio clube, tem de acabar de uma vez por todas! É isto que apodrece o futebol nacional, é isto que eu, pessoalmente condeno, é isto que não deixa crescer os clubes que não são "grandes", é isto que está mal... não me venham com histórias que no Benfica do regime era ainda pior e que todos os clubes fazem disto uma arma actualmente, porque tal não corresponde à verdade. A verdade essa, é que quando se precisa de "força" para intimidar e para fazer andar um carro sem gasolina se recorre a métodos "ilegais" e "corruptos", e até dá jeito ter claques e adeptos mais descontrolados que forcem o mesmo a andar. Este compadrio, "à la siciliano," diria mesmo à mafioso, convém a todos os que por detrás disto andam, vivem, vibram e apoiam! Caso contrário, já muita "tinta" (e outro tipo de coisas) tinha corrido para aqueles lados...os lados da alameda do Dragão!

E a pergunta põe-se, qual o por quê de todo o adepto e simpatizante do F.C. Porto se subjugar a este sistema de coacção visível a todos, até para os mais leigos (menos para as instâncias criminais) e ainda para aquela minoria, que não estando de acordo com o mesmo, se limita à insignificância de viver sem manifestar a sua opinião no sentido de varrer toda a lixeira que ali deambula "na casa que é sua"? Qual o por quê da conivência óbvia e concreta dos administradores do F.C. Porto e dos grupos de apoio, leia-se claques "legalizadas" (sim eles , entidade reguladora, têm os números de ambas, pode nem corresponder à realidade, mas o que interessa é que têm os números) enquanto força ameaçadora e reguladora daquilo que se passa no quotidiano do futebol do clube? Terá a justiça nacional um papel muito mais importante do que aquele que tem demonstrado até aos dias de hoje nestas questões em concreto? E o Governo? Parece-me que o futebol é uma "entidade" à parte da realidade governamental nacional... mais, o futebol na era pós-regime, enverdou por um beco estreito com uma única saída... a da verdadeira coacção total!

Edit: hoje (dia 23 de Dezembro) o Benfica falha a fuga aos mais directos adversários por obra do "acaso"! Esmiuçando as palavras, o Benfica até podia ter consentido 2 ou 3 golos em jogo jogado (parabéns ao Nacional, exibição perfeita na Luz), mas nos descontos voltou a haver mão de "Deus", não do N.G., mas antes do senhor Pedro Henriques. Se não veja-se:


O Jogo, jornal vermelho e branco por tradição, fala mesmo em "força superior - o árbitro Pedro Henriques" (até para aqueles que não acreditam em Deus) e na "diabólica intervenção do árbitro Pedro Henriques", que de resto só não tirou mais pontos ao Benfica porque não podia ou não tinha em sua posse, os meios para (sim foram só 2, esperemos que não sejam úteis para as contas finais, se assim for...caso encerrado, digo arquivado ou será dourado).
Isto sim é caso para dizer, se fosse no Dragão, haviam rolado cabeças, Mangas, Mónicas e até "apitos"! Se beneficiados, foi o que se viu, imaginem só com este escândalo... que mais uma vez vai passar impune a tudo e todos! Imaginem... não pensem sequer...

domingo, dezembro 21, 2008

O renascer do ateísmo?

"Deus provavelmente não existe, de modo que deixe de se preocupar e goze a vida".


O inusitado slogan vai decorar 30 autocarros de Londres, no Reino Unido, durante todo o mês de Janeiro próximo.
Conscientes de que na era da imagem até as guerras de religião podem ser travadas em cartazes publicitários, os ateus britânicos apelaram ao lema para tentar convencer as pessoas de que Deus é uma invenção. Por iniciativa da British Humanist Association (BHA) e do seu presidente, o professor Richard Dawkins - reconhecido teórico da evolução, catedrático na Universidade de Oxford e autor de vários livros de divulgação científica, como "A Desilusão de Deus" (Casa das Letras) -, numa iniciativa sem precedentes mas que reflecte o aparente regresso do ateísmo militante, tão vigoroso na época das Luzes (século XVIII), ao Ocidente.

Em Portugal, país de tradições católicas tão antigas que o mito fundador do país atribui à inspiração divina a vitória de D. Afonso Henriques sobre um exército muçulmano muito maior do que o seu nos campos de Ourique, em 1139, o ateísmo é ainda pouco visível. Não obstante, foi já constituída, em Maio, a primeira Associação Ateísta Portuguesa (AAP), que não enjeita adoptar "uma campanha semelhante à de Dawkins", segundo Carlos Esperança, presidente daquela organização.

Todavia, mais do que a campanha londrina - que poderá estender-se a outros países europeus e até aos EUA -, interessa questionar a que se deve esse fulgor de recusa do divino. Porquê agora? E quais os seus objectivos? E estará de facto a religião em declínio no Mundo Ocidental, ou assume novas configurações? A quatro dias do Natal, essa festa maior da Cristandade que celebra o parto da criança que seria Deus tornado homem, é o tempo ideal para reflectir sobre as razões que movem os novos assassinos Dele. E das demais divindades.
É possível não acreditar no divino?

O problema de fundo assinalado por Carlos Esperança é, pelo contrário, o maior êxito da BHA: propondo-se angariar os 8064 dólares necessários a um mês de anúncios em 30 autocarros, levou só duas horas para amealhá-los, numa campanha que, iniciada a 21 de Outubro, chegou a Dezembro com mais de 190 mil dólares.
“Os doadores sentem que não têm voz, que o Governo e a sociedade prestam demasiada atenção à religião e aos seus líderes, enquanto ignoram os que não são religiosos”, diz Hanne Stinson, directora da BHA, para justificar a surpreendente adesão.

A iniciativa soma-se a outras manifestações de um ateísmo mais activo na Europa, como a proliferação de ensaios contra a religião e o aumento dos pedidos de apostasía em Espanha e Itália, por exemplo – em Portugal não há dados. Inclusivamente nos EUA, cujas notas de dólar trazem o lema “in God we trust”, nos últimos anos as associações de não-crentes observaram um crescimento sustentado. E a Secular Coalition for America conseguiu, até, contratar um lóbista no Congresso, Lori Lipman Brown, visando contrariar a influência da religião na arena política. Radical, Dawkins chega a dizer, no seu “best-seller” (1,5 milhões de exemplares vendidos) que “a situação actual dos ateus nos EUA é comparável à que enfrentavam os homossexuais há 50 anos”. Só que, ao contrário dos grupos religiosos, sustenta, o problema dos ateus é que não estão organizados.

Mas começam a ficar. Para o teólogo Anselmo Borges, que acabou de publicar uma colectânea de artigos (”Janela do (In)finito”, Campo das Letras) onde debate também o ateísmo, a nova investida dos ateus e respectivo ensejo organizativo “deve-se ao materialismo e o hedonismo actuais”. Sugere, porém, que “as principais motivações estão, por um lado, no avanço da Ciência, designadamente da genética e das neurociências, que já fornecem muitas respostas sobre o Homem”, e, por outro lado, “no Mal do Mundo”, isto é, “face à violência e à guerra que são geradas em nome de Deus, as pessoas tendem a advogar que seria melhor que esse Deus não existisse. Essa é, aliás, a tese central de Dawkins”, assinala.

No entanto, a militância renovada dos ateus, reflectida na abundância de obras que defendem o ateísmo – por autores tão ilustres como Christopher Hitchens (”Deus não é Grande”, Dom Quixote), Sam Harris (“O Fim da fé”, Tinta-da-China), Michael Onfray (”Tratado de Ateologia”) e John Dupré (”Darwin’s Legacy”) –, não parece ser tanto uma reacção ao terrorismo integrista islâmico, mas antes um ataque às igrejas do Ocidente. A campanha de Dawkins nos autocarros será uma resposta, diz a BHA, “às operações agressivas de grupos cristãos fundamentalistas, que usam os espaços promocionais dos transportes públicos para proselitismo”.

Em Portugal, os objectivos globais da AAP são os mesmos: além de uma “aceitação social do ateísmo”, pretende “erradicar a influência da religião, designadamente da Igreja Católica, sobre o Estado, e o regresso à ética republicana, que é urgente”, diz Esperança, assinalando que no último estudo sobre a matéria em Portugal, de 2002, “cerca de 400 mil pessoas declararam-se ateias ou não-crentes, e não chocaria que hoje fossem cerca do dobro”. Aqui ao lado, Espanha será o caso de maior radicalismo. Após 40 anos de franquismo com apoio da Igreja Católica, a reacção anticlerical dos jovens é muito mais virulenta, e as solicitações de apostasía multiplicaram-se: no primeiro semestre deste ano foram 529, superando o total de 2007 (287) e de 2006 (47).

As estatísticas parecem contrariar, porém, a ideia de que o ateísmo militante estará a crescer na Europa: só um quarto da população é que se declara “não religiosa” e apenas 5% se afirma ateu convicto. De resto, ser ateu é muito mais do que a recusa do Estado confessional ou a indiferença, quiçá o abandono, da prática religiosa: para o teólogo alemão Hans Küng, “o autêntico ateísmo nega todo o tipo de Deus e todo o divino, tanto entendidos em sentido mitológico como concebidos de forma teológica ou filosófica”. Neste sentido, o próprio ateísmo, enquanto experiência espiritual, estará a perder terreno. “A maioria dos não-crentes diz-se, na realidade, agnóstica, pois o ateísmo implica uma profunda convicção sobre uma questão: a não existência de Deus. E a verdade é que todos duvidam”, realça o filósofo francês Michel Eltchannoff.

Essa natureza dubitativa em torno do divino poderá explicar, até, o ressurgimento contemporâneo das superstições, seitas e ocultismos. Em França, país de Descartes e dos Enciclopedistas, as artes divinatórias geram um volume de negócios de 4200 milhões de dólares anuais, isto é, cerca de 15 milhões de consultas por ano, repartidas entre uns 100 mil “profissionais” da bola de cristal, mais os livros de profecias, astrologia e ciências ocultas… Em Portugal, embora falte estatística, a proliferação de anúncios de videntes e quejandos é suficiente para perceber que o negócio prospera, autorizando a tese de que vivemos num Mundo onde o irracional é a norma e grande parte da Humanidade crê em Deus, ainda que cada qual o defina a seu modo.

Aliás, neste contexto torna-se pertinente a pergunta sugerida por Anselmo Borges: “Porque é que a campanha publicitária dos autocarros londrinos declara que Deus ‘provavelmente’ não existe? Porque não dizer logo que ‘Deus não existe’, se há essa certeza?”. Segundo a BHA, porque o “provavelmente” evita ferir susceptibilidades e violar as leis britânicas da publicidade. Mas a melhor explicação talvez radique, afinal, na advertência formulada na Grécia pelo matemático Euclides, 300 anos antes de Cristo: “O que é afirmado sem provas pode ser refutado sem provas”.

in JN

Veremos se com um assunto polémico, o debate é mais vigoroso...

One Flew Over the Cuckoo's Nest de
Milos Forman (1975)
Género: Drama
Das poucas peças cinematográficas que este realizador nascido na antiga Checoslováquia nos presenteou até aos dias de hoje, esta é sem dúvida aquela mais marcante a todos os níveis.
R.P.McMurphy (Jack Nicholson) é um pequeno criminoso com um perfil comportamental bastante "peculiar" que ao ver-se obrigado a cumprir pena numa prisão de trabalhos forçados, ludibria as autoridades, fazendo passar-se por doente mental. É internado numa instituição para doentes desse tipo. Por lá, a rigidez sarcástica e autoritária imposta pela enfermeira-chefe Ratched (Louise Fletcher) aos doentes daquela enfermaria, fazem com que McMurphy inicie uma guerra aberta contra a ideologia posta em prática pela mesma, despertando alma, coração e razão de todos, que até então ali viviam absortos, apáticos e "doentes", e dos quais se vai tornando um especial amigo.
A "libertação" que McMurphy conduz acaba por tomar contornos desproporcionais e Ratched também faz questão de ganhar a batalha despoletada contra o seu sistema.
Filme único, prova disso, são os 5 óscares que arrecadou por parte da Academia (melhor filme, melhor realização, melhor actor principal, melhor actriz principal e melhor argumento adaptado), feito esse só conseguido por duas vezes na história dos prémios máximos do cinema, em "Aconteceu Naquela Noite" (1934) e "Silêncio dos Inocentes" (1991).

IMDb: http://www.imdb.com/title/tt0073486/

Top50 IMDb: 8 (8.8/10)

WCGato: 9/10

sexta-feira, dezembro 19, 2008

Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb de
Stanley Kubrick (1964)
Género: Comédia


Comédia negra hilariante, com assinatura de mais alto nível do grandioso Kubrick, este filme aborda a temática de eminente guerra nuclear entre as duas maiores potências mundiais, em pleno período de guerra Fria.
Um general psicótico americano, Jack Ripper, acha que os comunistas conspiram com o intuito de poluir os "fluidos corporais preciosos" dos americanos e lança a sua armada de bombardeiros B-52 contra alvos nucleares da U.R.S.S.

No Pentágono, presidente dos E.U.A., chefes de estado maior e o "ex"-nazi Dr. EstranhoAmor (um génio, caricato, sinistro, peculiar e especialista em armas) percebem que apesar de todos os esforços, vai ser impossível parar o ataque.

Peter Sellers, interpreta nesta sátira épica da história do cinema, nada mais nada menos que 3 papéis, tendo sido nomeado para o óscar desse ano, que acabou por perder para Rex
Harrison (gsdgsdfgseergsdfhhfdsh) em My Fair Lady, escolha no mínimo polémica depois de verem a prestação de ambos!

IMDb: http://www.imdb.com/title/tt0057012/

Top50 IMDb: 25 (8.7/10)

WCGato: 9/10

quarta-feira, dezembro 17, 2008

De há uns anos para cá...

Braga tem sido nos últimos anos uma das cidades do país em maior crescimento (área e população). Como bracarense foi com profunda tristeza que fui assistindo à degradação desta bela cidade.
O culpado figura na imagem em baixo...


(imagens: http://bracarangustia.blogspot.com/)

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Aproveitando as sugestões magníficas do nosso amoroso amigo Machines of God, deixo aqui a minha humilde visão sobre um dos filmes sugeridos.

Taxi Driver de Martin Scorsese (1976)
Género: Crime / Drama / Mistério


Taxi Driver, talvez o melhor filme de Martin Scorsese, retrata a progressiva deteoração mental de um ex-combatente na guerra do Vietname. Assaltado pelo mutismo e o isolamento progressivo, Travis Bickle (interpretado pelo, na altura novato, Robert De Niro) ocupa as suas longas noites de insónia trabalhando como taxista Nova-Iorquino.

Constatando a corrupção, os vícios e a degradação presentes na metróple assim que a noite se instala, Travis mergulha num pesadelo crescente, onde as suas perturbadoras experiências de guerra estão cada vez mais interligadas com a análise que faz à sociedade que assiste, todos os dias, despertar no crepúsculo. Como um subterfúgio de libertação mental. A realização confere um efeito hipnótico à filmagem, como se estivessemos a assistir a tudo através dos olhos de Travis, criando uma atmosfera densa e marcante. Os diálogos estão também muito bem orquestrados, vincados pelo carácter dos personagens. De certa forma, acabamos por ganhar simpatia a Travis, apesar de tudo encontramos uma certa veracidade na deturpação que este faz da realidade, como uma subtil crítica de fundo.

Nos meandros dos bairros, esquinas e guettos corruptos e decadentes, Travis acabará por encontrar Iris (Jodie Foster), uma prostituta, intrinsecamente ligada a esse mundo, vendo nela a esperança, a tábua de salvação da sociedade que ele quer redimir com as próprias mãos. Jogo psicológico puro num ambiente sombrio e nocturno, onde todo o opróbrio humano vem ao de cima, são os ingredientes fundamentais deste clássico de Scorsese. Que a guerra comece!

domingo, dezembro 14, 2008


A comunidade WCgato vai criar no ano 2009 mais um espaço para a discussão de opiniões. Desde o seu início que este blog tem vindo a ser um espaço priveligiado para debater a sociedade, a cultura ou a política, mas agora propõe-se a discutir ideias em tempo real, num espaço real, e não virtual, olhos nos olhos, sem preconceitos ou ponta de arrogância intelectual. O nosso princípio mantêm-se: promover um lugar de pluralidade de opiniões, onde o principal objectivo é aprender, e não ensinar. A despeito de a existência um aprendente habitualmente deva ocorrer com a concomitância de um ensinador, ninguém é dono da verdade absoluta. Assim, o objectivo fundamental do WCgato, neste novo espaço, será a instrução pessoal, isto é, a vontade individual de se cultivar através do debate entre pessoas com diferentes perspectivas sobre o tema que se aborda.
Mas que espaço é este que agora se apresenta? Será um ciclo de tertúlias do grupo 'O dono do Cigarro'. O espaço em si pouco importa. Pode ocorrer numa cave em Braga, no Porto ou em Pequim, numas àguas furtadas da Avenida da Liberdade em Lisboa ou nas traseiras de um café na Ribeira do Porto. O que importa, sim, são os pressupostos de tal reunião, que acima se descreveram. As tertúlias ocorrerão quinzenalmente, sextas-feiras à noite, em lugar a designar no final de cada reunião. Cada tertúlia será subordinada a um tema, para o qual os intervenientes devem preparar-se. Além disso, no início das sessões, um dos participantes, previamente determinado, apresentará um néctar que tenha selecionado, que pode ser um vinho, uma cerveja, um whiskey ou qualquer outro, que preencherá o copo de cada 'felino' ao longo da reunião. O mesmo participante que trouxer o tal néctar, deve ainda escolher um poema, ou um exerto de um texto que lhe agrade, ou uma notícia que lhe tenha despertado particular interesse para ler em voz alta aos restantes.
Estou já a imaginar as acesas discussões que se seguirão, entre a penumbra deixada pelo cachimbo, charuto e cigarrilha.

Deixem os vossos comentários e sugestões e vamos marcar já a primeira tertúlia!

quinta-feira, dezembro 11, 2008

Buraco negro massivo no centro da Via Láctea



Uma equipa de astrónomos alemães descobriu recentemente provas directas da existência de um buraco negro no centro da nossa galáxia, os que se designam de Supermassive Black Holes (sim, tal como a canção dos Muse). O objecto tem um tamanho equivalente ao do nosso Sol, porém com uma massa 4 milhões de vezes superior, e foi detectado pelo telescópio doEuropean Southern Observatory (ESO), no Chile. A sua localização central permitiu o cálculo exacto da distância do nosso sistema solar ao centro da galáxia, cifrada agora nos 27.000 anos-luz (algo como 255.000.000.000.000 km!).

Esta descoberta surge no momento em que a ciência discute a possibilidade de todas as galáxias possuirem, nos seus centros, estes Supermassive Black Holes, e que funções estes possuirão. São já conhecidos alguns, o maior deles situado na galáxia QJ 287, com a massa equivalente a 18 biliões de Sóis. Ao contrário dos buracos negros estelares, mais pequenos, pensa-se que estes buracos negros supermassivos são formados ou por imensas nuvens de gás, ou pelo colapso pela gravidade de aglomerados de milhões de estrelas aquando da formação do Universo.

 A maioria dos Supermassive Black Holes catalogados encontram-se em forte actividade, ou seja, atraíndo matéria para si, aumentando ainda mais a sua massa. Assim sendo, fazendo uma comparação grosseira, a nossa galáxia não será mais que um funil gigante de base larga, em que todas as estrelas rodam em espiral à volta do centro que, progressivamente ao longo de biliões e biliões de anos, acabará por "sugar" tudo à sua volta. Uma meta temporal tão longínqua quanto impossível de conceber, à escala humana. Resta perguntar, até onde irá o Homem nesta escala temporal verdadeiramente indecifrável e esmagadora?


Buraco Negro. É um corpo celeste no qual a força de gravidade é tão grande que não deixa nada, nem a própria luz, escapar. Como tal, a luz não é reflectida, daí os nossos olhos não o conseguirem observar tal como ele é - o seu aspecto negro resulta somente do facto de não reflectir a luz. Um buraco negro estelar, o mais conhecido, resulta do processo de "morte" de uma estrela. Quando a estrela perde todo o seu combustível (Hidrogénio), normalmente apaga-se convertendo-se numa gigante anã - um corpo gigantesco frio. No entanto, quando a estrela possui uma massa muito grande (por consequência, de tamanho muito grande), o processo de morte pode resultar numa acreção progressiva da massa em torno do seu centro, originando um corpo infinitamente mais pequeno que a estrela original, mas com praticamente a mesma massa - um corpo tão denso que não deixa a própria luz escapar, retida na sua gigantesca gravidade. O nosso Sol, uma estrela média-pequena, não terá massa suficiente para originar esse processo.

Imagem em proporção correcta do nosso sistema solar. O Gigante Sol, ainda assim uma estrela relativamente pequena. O Supermassive Black Hole da Via Láctea terá um tamanho muito semelhante.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

O mágico!

Este "só é batido" pela queda do Mário Jardel na Luz, no célebre empate a 2 produzido pelo nosso amigo Duarte Gomes, no ano dos 17 penaltys para o campeão... Sportém!



DESAFIO: Para quem não se recorda do jogo em questão, vejam este vídeo demasiadamente ilustrativo das cores do senhor Duarte Gomes. NOTA: OS COMENTÁRIOS DO JOGO SÃO TODOS ELES FEITOS POR UM VERDE E BRANCO.

http://memoriagloriosa.blogspot.com/2008/01/benfica-2-duarte-gomes-2-de-2001.html

S - U - R - R - E - A - L

quinta-feira, dezembro 04, 2008


The Usual Suspects de Bryan Singer (1995)
Género: Crime, Drama, Thriller

Elenco de luxo, no melhor de Brian Singer, obrigatório ver! "Soberbo" do 1º ao último minuto.

(A review da peça, irá ser feita em local e datar a determinar, pelo nosso moderador destacado para o efeito)

quarta-feira, dezembro 03, 2008

Toy(no) like always

Visto o último post ter sido um sucesso por entre os nossos "assíduos" leitores resolvi colocar este vídeo aqui, para quem não conhece e que vai marcar a diferença.
Ora vejam:

domingo, novembro 30, 2008

No tempo da "Inocência Ditadura"!

Quem é que não ouviu falar do caso Calabote do final da década de 50? Do árbitro que deu 10 minutos de descontos com o intuito de ver o Benfica marcar o 8º golo, o do título? Do árbitro que marcou num jogo com 8 golos, 5 penaltys para os da casa?

Pois é, trago-vos hoje meus amigos uma prenda: os artigos dos principais jornais desportivos (gentilmente cedidos por um amigo) relativos ao jogo apitado pelo senhor "Inocêncio Calabote", que acabou por ditar o 2º lugar no campeonato para o Benfica, tendo o título ficado na posse dos azuis e brancos que venceram no mesmo dia em Torres Novas, os locais por 3-0, tendo acabado o jogo contra 9 (1º homem do conjunto de Torres Novas foi expulso aos 20min da 2ª parte e o segundo depois do 2º golo do Porto, imagine-se, por pontapear a bola de dentro da baliza) e sobretudo debaixo de veementes protestos dos jogadores locais! Jogo apitado pelo senhor Francisco Guiomar que de Inocêncio não tinha nada!
-----a Bola-----

---Manual Desportivo---

-----Record-----


terça-feira, novembro 25, 2008


Akahige de Akira Kurosawa (1965)
Género: Drama

A viagem deste post cinéfilo semanal (e desculpem o atraso) é até à decada de 60, a uma pequena localidade do Japão rural. Leva-nos à história de um jovem médico recém-licenciado, consumido pela prepotência, vaidade e individualismo, próprios da sua formação urbana centrada na patologia. Este, contra a sua vontade, é destacado para o hospital de uma localidade do interior do Japão, humilde e de parcos recursos.


Chegado ao hospital, fica sob responsabilidade do dr. Niide, conhecido por Barba Ruiva (Akahige) pela peculiar cor da sua barba. Este, quando o perscruta, apercebe-se de algo de misterioso no jovem médico e interessa-se por ele, apesar de todo o desprezo inicial. A partir daí, a narrativa vai evoluir centrando-se fundamentalmente na condição e sofrimento humanos, em várias pequenas e intrigantes histórias de vida de vários doentes e personagens que vão surgindo no hospital, retrato de vidas assentes numa miséria extrema. Existe um certo feeling Dostoievskiano ao longo da película. Akira Kurosawa conferiu ao filme um humanismo abrangente e tangível, romantizando o idealismo do sofrimento humano como uma causa preponderante para a doença e morte.

O jovem médico vai percorrendo todas estas histórias unindo-se cada vez mais ao sofrimento e miséria daquele povo, base de partida para uma profunda transformação interior. Resta saber se este humanismo o marcará de tal forma que abdique de todas as suas ambições, pessoais e materiais, para abraçar a verdadeira felicidade que há tão pouco acabou por descobrir - o amor infinito ao próximo. Um filme notável que especialmente todos os estudantes de medicina deveriam ver.

"The pain and loneliness of death frighten me. But Dr. Niide looks at it differently. He looks into their hearts as well as their bodies."

sexta-feira, novembro 21, 2008

Férias meus Amigos

Pois é está "tudo" acabado.. depois de tantas horas, dias, semanas, meses e mesmo anos confortavelmente recostados em muitas cadeiras, paredes, camas e até poltronas, vimos por este meio declarar o fim da linha para o massacre!

Como tal é hora de fazer as malas para as tão desejadas férias pré-internato.

Aqui fica a sugestão da agência de Viagens "Bámos lá ber & É preciso ber":



terça-feira, novembro 18, 2008



Melhor série de todos os tempos?


Acabei há uns dias de ver a série que muitos referem como sendo a melhor de sempre. 82 prémios, incluindo 5 globos de ouro, e 211 nomeações falam quase por si só. O que tem esta série de tão especial?

Primeiro que tudo, o seu realismo. A acção desenrola-se tal e qual como se fosse um documentário de uma família, com as suas rotinas, os seus bons momentos, os maus momentos... Tudo isto cria no espectador a ilusão de ser mais um elemento da história. À medida que a série avança, vamos assistindo ao evoluir de várias personagens, o crescimento de uns, o aparecimento de outros e a morte de vários (e morrem muitos personagens importantes). Um enredo em que as acções podem ou não ter consequências, tal como a vida real - imprevisível. A história não se centra apenas na perspectiva temática da máfia italo-americana. Esta é a base, o ponto de partida para um estudo profundo às dilacerantes repercussões interiores vividas pelos seus intervenientes, especialmente o personagem principal, Tony Soprano.


Ah, Tony Soprano! Este é, a meu ver, um dos personagens mais ricos e intrigantes da história da televisão. Um personagem que vive intensamente para duas famílias - a mulher e os seus filhos, e a máfia. Um criminoso rude, implacável, que apesar de tudo cativa pela sua aparente justeza humana, o seu charme e simpatia. A sua perdição pelo sexo feminino. James Gandolfini foi brilhante e convincente na interpretação do personagem. O palco principal da série é, verdadeiramente, o gabinete onde se reúne com a sua psiquiatra, praticamente todos os episódios. Aí, invocado e dissecado pela sua psiquiatra ao longo de dezenas e dezenas de episódios, o seu subconsciente emerge: a sua relação atribulada e infeliz com a mãe, certos marcantes eventos da sua infância, a sua depressão crónica, os seus ataques de pânico, os seus perturbadores pesadelos (ao longo da série são retratados vários) - um caos de arame farpado mental que explica, muitas vezes, as suas acções precipitadas. Mas outros personagens tão peculiares como marcantes vão entrecruzando o seu caminho, como a mãe de Tony Soprano, Ralf Cifaretto, Paulie Gualtieri ou Junior Soprano. 

A série é tão e somente, muito além de uma história de gangs ou da máfia, uma celebração da vida, a vida com os seus múltiplos problemas e escolhas difíceis, com as suas dramáticas consequências... Muitas vezes não nos resta mais do que optar entre um mal e um mal menor. Cabe a cada um reflectir e decidir, no fim, se Tony Soprano é um herói, vilão ou vítima do sistema implacável que o fabricou. Tudo pode acontecer, e o final da série, controverso e aparentemente desprovido de nexo, é, no seu simbologismo, tão original como aterrador e marcante, valorizando a inteligência de toda a série, como uma cereja no topo de um bolo - Sopranos.

"O criminoso usa a perspicácia para justificar actos hediondos. A terapia tem potencial para não-criminosos. Para os criminosos, torna-se mais uma operação criminosa" in A Personalidade Criminosa, Samuel Yochelson (Psiquiatra Americano).

domingo, novembro 16, 2008

Notáveis da 7ª arte apresentam...

Inland Empire de David Lynch (2006)
Género: Mistério / Drama / Crime / Terror


Desta vez, trago-vos mais um filme de David Lynch, "Inland Empire". Este é o seu derradeiro filme. Totalmente filmado em câmara digital, este é o filme que Lynch sempre ambicionou fazer, sob um ponto de vista artístico. É, talvez, o filme mais bizarro do realizador, ultrapassando mesmo "Mulholland Drive". A sua mensagem e linha condutora parecem indecifráveis e constituem um dos maiores desafios à actual elite cultural cinematográfica. Na verdade, poderá mesmo suceder o filme não possuir um fio condutor ou uma explicação lógica global, por si mesmo.

Poder-se-á dizer que o filme é, nos seus momentos iniciais, uma narrativa que expõe a sua história de base - um "remake" de um filme polaco que nunca fora acabado, por certos eventos estranhos em seu redor que levaram à morte dos dois protagonistas. O restante, o grosso do filme, um autêntico pesadelo caótico parecendo surgir das trevas de uma mente esquizofrénica. A acção parece não obedecer a um princípio racional. Nikki, a heroina do filme, parece cada vez mais afundada numa maldição hipnótica e a sua realidade cada vez mais fundida com a da personagem que encarna no "remake" polaco, com as consequências tenebrosas que isso implica. Passado e futuro, realidade e ficção, são misturados num caos sucessivo de cenas aparentemente desconexas e variadas, que a levam a viver episódios do próprio filme polaco, do filme que encarna, e da sua realidade cada vez mais confusa e apoteótica, elicitando todos os seus demónios interiores. Muitos pequenos detalhes conspícuos relacionam as cenas umas com as outras. Diálogos estranhos, pernonagens estranhos e enigmáticos e ambientes surreais e perturbadores sucedem-se num tumulto caótico à medida que a intriga avança.


O segredo está em não procurar encontrar uma explicação lógica para todos os pormenores. O filme é pura e simplesmente um grande pesadelo, e que pesadelo! Todos os elementos do subconsciente perturbado da personagem emergem numa catarse de sentimentos, sejam eles de terror, raiva, medo, sofrimento ou contemplação. O filme passa por todos eles de forma exímia, muito graças ao talento da actriz Laura Dern, absolutamente versátil e eficaz na interpretação das sucessivas e variadas dimensões da sua personagem, tornando tudo esmagadoramente verdadeiro, apesar de estranho e impossível.

Ao nível da realização, a utilização de câmara digital conferiu a Lynch a liberdade e originalidade de utilizar maioritariamente planos pouco usuais. A focagem das personagens muito próxima da cara, no limite de focagem, torna tudo mais próximo e intenso, exponenciando o surrealismo do filme. Por outro lado, a portabilidade da câmara digital possibilitou o seguimento muito próximo de certos gestos aparentemente não importantes para as cenas, mas que aumentam a tensão do momento, como se lá estivéssemos, absortos nesses gestos banais como encher uma chávena de café, como um mecanismo de escape perante a estranheza de tudo o que se está a passar.


Obviamente que o filme não será para todos, tal como um quadro de Picasso não poderá ser perceptível por todos. Este é um filme que não obedece a regras, é pura e simplesmente um esgar de génio e liberdade artística. Como referiu Gustavo Marquês Van Prog "é bom saber ainda existirem realizadores que se preocupam em trazer algo de novo, de diferente". Mais que preso a uma simples história, este filme encarna a arte cinematográfica como uma pintura abstracta, base para uma experiência incalculável sob domínios e sentimentos superiores.

"Como vento a ecoar nos túneis da mente"