sexta-feira, março 02, 2007

Tecnocracia

Tudo começou com a história das maternidades. O número de partos já não é o que era, as populações já não estão distribuídas da mesma forma e, acima de tudo, o número de obstetras é insuficiente. Era portanto necessário uma reestruturação dos serviços de atendimento natal, peri-natal e pós-natal do país. Para isso constituiu-se uma comissão de peritos a fim de elaborar um estudo no qual se deveria basear a tal reestruturação. Os "peritos" (escrevo peritos entre aspas porque chamar perito do que quer que seja a Jorge Branco custa-me um bocadinho...) analisaram e, com base nas directivas da OMS e na realidade nacional, decidiram fechar quase todas as maternidades com menos de 1300 partos/ano. Digo quase todas porque algumas, ainda que tivessem um menor número de partos, se mantiveram abertas. Acontece que como a maioria da população do país se encontra no litoral, o fecho das maternidades ocorreu sobretudo no interior, em alguns casos, no interior profundo do nosso país.
Ainda não estavam algumas populações refeitas do choque inerente ao fecho da maternidade da sua terra e, através da comunicação social, ficavam a saber que muito em breve as urgências médicas na sua região iam também fechar. Os médicos faltam (sobretudo naquelas zonas do país) a população é pouca e o dinheiro gasto para uma urgência destinada a tão poucas pessoas é demasiado. Pelo menos os estudos encomendados pelo mesmo ministro assim o ditaram..e se os estudos assim o dizem, assim se faça.
Não quero com tudo isto dizer que discordo das reestruturações, até pelo contrário, são essenciais para a sustentabilidade de um sistema nacional de saúde de qualidade, só acho que temos de ter muito cuidado como aplicamos as medidas e com a forma como utilizamos os estudos encomendados. Os estudos são como o nome indica apenas "estudos", cabe ao político, ao ministro, com o seu conhecimento da matéria, com a sua sensibilidade, com o seu espírito crítico e bom-senso avaliá-los e com base nos mesmos decidir como e o que fazer. Se assim não fosse não necessitaríamos de um ministro para nada, bastava-nos um qualquer funcionário administrativo. Este encomendaria os estudos e consoante a indicação de cada um dos mesmos tomaria as medidas necessárias para que os resultados dos mesmos fossem inflexivelmente aplicados.
Ninguém que tenha uma urgência médica a 10 minutos de casa, ficará contente caso esta seja encerrada, mas não é o mesmo fechar uma das várias urgências existentes numa grande cidade, que fechar a única urgência de uma pequena povoação a muitos quilómetros e más vias de comunicação da mais próxima. Tirar uma urgência médica, por mais básica que esta seja, a uma população nessas condições, é provavelmente condená-la ao desaparecimento mais ou menos precoce. Numa altura em que cada vez mais se fala na desertificação do interior e nas formas como esta desertificação deve ser combatida, algumas destas medidas soam de uma forma ainda mais despropositada. Nos estudos as pessoas são números, a realidade mostra-nos algo bem mais complexo. Uma urgência pode não se justificar no Barreiro, mas, ainda que servindo muito menos gente, justifica-se em Chaves ou em Freixo-de-espada-à-cinta. Uma maternidade com cerca de 1000 nascimentos por ano não se justifica em Santo Tirso, mas uma com 200 nascimentos por ano justifica-se em Elvas. A esta obcessão cega pelos estudos, a esta inflexibilidade que em alguns casos é quase desumana, chamo tecnocracia e pode ser essa "tecnocracia" a causa da queda daquele que tinha tudo para ser um extraordinário ministro da saúde...

6 comentários:

Unknown disse...

Vou remeter o meu comentário a este Post para o que efectuei relactivamente ao Post da OTA.
...

Creio que as conclusões que apresento lá são claramente transpostas para aqui.

Hipercubo disse...

Lamento João, mas tendo lido o teu confuso comentário ao post da Ota, não vejo grande aplicabilidade do mesmo para aqui...

Unknown disse...

"A gestão per si é facil, o que é dificil é a gestão dos próprios interesses individuais dos nossos recurso humanos."

Mais uma vez, na minha opinião cai aqui que nem uma luva concordando com o teu Post.

Anónimo disse...

sem dúvida que tem havido exageros e falta de bom senso

sarazul disse...

Somos meros números perdidos nas múltiplas páginas que compreendem os tão dogmáticos "estudos"! se tivermos o azar de calhar numa zona do país em que esses "números" não justifiquem os gastos, estamos lixados! Ainda bem que descontamos todos....

Helder Novais e Bastos disse...

Acho que a questão é bem mais complexa, contudo não posso deixar de concordar com as tuas palavras caro amigo. As alterações vão ter que ser profundas para que o interior se desenvolva e não apenas no âmbito da saúde. Mas porque é neste campo que nós estamos implicados tenho que deixar aqui, bem patente, a minha posição. Pelo menos numa coisa concordo com o Ministro: chega dos lóbis (do inglês lobby) dos médicos. Se há falta de médicos no interior do país, então ponham-nos lá; não cedam aos interesses pessoais quando é o interesse nacional que está em jogo. Mais cedo ou mais tarde isso vai ser uma realidade.